Entenda o que está acontecendo na Ucrânia
Protestos no
centro de Kiev já duram semanas. Oposicionistas se rebelam contra a linha
pró-Rússia e antieuropeia do governo e se recusam a ceder às intimidações da
polícia.
"O tempo
de duração dos protestos de rua em Kiev vai depender somente do governo",
profetizou o deputado do partido de oposição Aliança Democrática Ucraniana para
a Reforma (Udar), Rostyslav Pavlenko, em entrevista à Deutsche Welle no início
de dezembro.
De fato, até
agora as forças de segurança ucranianas fracassaram em todas as tentativas de
reprimir os protestos. Apesar do frio congelante, os manifestantes permanecem
há vários dias na Praça da Independência, no centro da capital. Eles cantam,
oram, erguem barricadas de madeira. Nem as investidas noturnas da polícia nem
as ameaças desta puderam expulsá-los até agora.
Se o
presidente Viktor Yanukovytch pensava que iria intimidar os manifestantes com
unidades especiais, parece ter calculado mal. "Aqui está sendo decidido o
futuro do país", bradou Arseniy Yatsenyuk, do partido da ex-premiê Julia
Tymoshenko, à multidão reunida na Praça da Independência nesta quarta-feira
(11/12).
Orientação para o
Ocidente
O que teve
início no final de novembro, com protestos contra o acordo de associação
fracassado entre a Ucrânia e a União Europeia (UE), tem crescido rumo a um
movimento de massa contra o governo do primeiro-ministro Mykola Azarov. O
governo cedeu à pressão da Rússia, perdendo assim a chance de levar o país em
direção ao Ocidente. A decepção de muitos ucranianos em relação a isso é grande
– e se transforma cada vez mais em ira contra toda a liderança governamental.
Mas o
fracasso do acordo com a UE foi apenas a faísca inicial dos protestos, diz
Cornelius Ochmann, diretor da Fundação para a Cooperação Polaco-Alemã. "Em
minha opinião, na Ucrânia, a sociedade civil é muito mais avançada do que
pensamos. As pessoas estão fartas do estilo de governar do presidente e estão
aproveitando a oportunidade para expressar a sua insatisfação."
Os protestos
no centro de Kiev são conduzidos e organizados por um Comitê Nacional de
Resistência, comandado pelos líderes dos três partidos de oposição: Vitali
Klitschko, com seu partido Udar, Oleh Tyahnybok, com o Partido da Liberdade,
como também Arseniy Yatsenyuk, com o Partido Pátria, da ex-primeira-ministra
Tymoshenko. Além disso, representantes de diversas organizações da sociedade
pertencem ao comitê.
Revoluções do Leste
Europeu como modelo
Rostylav
Pavlenko, deputado do Udar, permanece esperançoso de que se encontre uma saída
política para a crise. "Caso ela não seja encontrada, vamos manter a
pressão pacificamente, até que a situação seja resolvida de uma forma
civilizada”.
Segundo o
deputado, a oposição ainda teria muitas formas de protesto pacífico na manga,
principalmente aquelas usadas em 1989, durante a queda do regime comunista nos
países do Leste Europeu e na reunificação da Alemanha. "Aprendemos muito e
vamos recorrer a essas formas de protesto. Mas serão todas pacíficas".
Estrelas pop,
como a cantora Ruslana, vencedora do Festival Eurovisão da Canção de 2004,
apresentam-se em prol do movimento de protestos. Também filmes estão sendo
mostrados em telões espalhados pela Praça da Independência.
As
manifestações evidenciam uma determinação que foi subestimada por todas as
partes interessadas, tanto em Kiev como também em Moscou e Bruxelas, afirma a
especialista Maria Davydchyk, do Conselho Alemão para Relações Internacionais
em Berlim (DGAP, na sigla em alemão). "Na parceria do Leste com a UE, o
governo ucraniano viu somente uma opção, desde que ela se encaixasse no
desenvolvimento político interno", sublinha Davydchyk.
Por outro
lado, embora a UE tenha enviado vários sinais em direção à Ucrânia, "o
bloco não mostrou nenhuma estratégia ou instrumentos concretos para a resolução
dos verdadeiros problemas do país e da população." Embora a UE defenda
negociações entre o governo e a oposição, até agora ela fracassou numa
intermediação entre as partes.
Perda de poder?
Para o
diretor do Instituto Internacional da Democracia em Kiev, Serhiy Taran, a
oposição ucraniana é capaz de forçar o governo a fazer concessões. Para isso
bastaria manter a intensidade dos protestos, o que seria hoje mais fácil do que
durante a Revolução Laranja, há nove anos. Pois, hoje, os manifestantes são
muito mais radicais do que naquela época, explica Taran. "As pessoas
poderiam ampliar os bloqueios, também à residência do presidente no subúrbio de
Meshyhirya, próximo a Kiev".
Ele se disse
convencido de que os atuais protestos já causaram "movimentos tectônicos
na política ucraniana". Lentamente, os oligarcas e os chefes dos clãs
políticos estariam se convencendo de que Yanukovytch está perdendo o poder.
Segundo Taran, esse desenvolvimento enfraqueceria o governo a partir de dentro,
o que poderia levar a uma mudança de poder na Ucrânia.
Por que
aderir à Europa é ruim para a Ucrânia?
Desde o fim
da guerra fria, o Ocidente, representado pela OTAN e pela UE, iniciou sua
expansão para a área de influência da antiga URSS. A justificativa oficial
baseava-se na hipótese de que a segurança do continente dependeria da
implementação de regimes com democracia política e economia de mercado na
região, tendo em vista que “democracias não lutam contra democracias” (Há uma
corrente em relações internacionais chamada de teoria da paz democrática, que
postula que esses regimes criam laços duradouros de paz entre seus vizinhos,
fomentados pelo comércio e pelos controles dos civis sobre os militares, entre
outros aspectos).
Todavia, na
prática, o processo de expansão representou a manutenção das políticas de
contenção à URSS aplicadas agora à Rússia, uma vez que esse país foi deixado de
fora dos arranjos institucionais pensados pelos ocidentais. Aliada a uma grave
crise econômica dos anos 1990, tal exclusão fomentou o anti-ocidentalismo na
população russa, sentimento importante para se entender a legitimidade de
iniciativas antagônicas aos interesses ocidentais por parte do governo russo.
Desde a resposta negativa ao acordo com a UE, em
novembro de 2013, o país passa por uma onda de protestos
E no meio do
caminho tinha a Ucrânia! Desde sua independência a Ucrânia soube se valer de
sua posição intermediária e utilizou a Europa e os EUA para contrabalançar a
influência russa e a Rússia para contrabalançar a influência dos Ocidentais.
A Rússia e a
Ucrânia quase entraram em guerra nos anos 1990 devido aos movimentos
separatistas da Criméia e às disputas em torno da base militar de Sevastópol e
do arsenal nuclear, ambos legados do período soviético. Nesse período, o apoio
dos Europeus e dos norte-americanos foi fundamental para que os ucranianos
equilibrassem as relações com a Rússia.
No final dos
anos 1990, com a desilusão dos ucranianos a respeito dos pífios resultados
econômicos obtidos com o apoio (ou falta de apoio) ocidental, ocorreu uma
inflexão pró-Rússia. Os generosos subsídios oferecidos por esse país ao setor
energético ucraniano trouxeram conforto para uma elite política que pretendia
se manter no poder por meio de práticas condenáveis.
Com a
crescente e justificável insatisfação popular em relação à administração Kuchma
e a ativa participação de governos ocidentais na Revolução Laranja,
inaugurou-se uma nova fase europeia na Ucrânia, tendo Victor Yushenko a frente
do país.
Novamente,
frente à falta de assertividade da Europa em promover mudanças econômicas no
país, o apoio da população ao pró-ocidentalismo do governo esmoreceu e a
Ucrânia voltou a ter uma postura mais ponderada, com a eleição democrática de
Yanukovich, mais próximo da Rússia. Yanukovich mantinha a clássica postura de
barganhar com os dois vizinhos até que os europeus forçaram uma opção
unilateral pela Europa.
Os motivos
para a postura intransigente da UE não fazem parte do escopo desse texto. O que
ocorre hoje é que a Europa está pressionando a Ucrânia para aceitar algumas de
suas imposições políticas (a libertação de Yulia Timoshenko, antiga aliada de
Yushenko e opositora de Yanukovich) em troca de benefícios econômicos.
Nesses
termos, seria impossível à adesão ao acordo de livre comércio com a Europa e o
governo da Ucrânia se voltou para a Rússia para neutralizar essa pressão. A
redução dos preços da energia vendida pela Rússia para Ucrânia após o anúncio
de que a Ucrânia ingressaria na União Euroasiática é um resultado desse jogo de
barganhas.
Por que a
Crimeia se transformou no foco da tensão na Ucrânia?
Por que a Crimeia se
tornou o foco da tensão?
A região
votou em peso em Yanukovych na eleição presidencial de 2010, e muitas pessoas
acreditam que ele é vítima de um golpe, o que levou separatistas a tentarem
pressionar o parlamento da Crimeia a votar se a região deveria se separar da
Ucrânia.A Crimeia é o epicentro do sentimento pró-Rússia no país, o que pode
levar ao separatismo. A região - uma península na costa ucraniana no Mar Negro
- tem 2,3 milhões de habitantes, e a maioria deles se identifica como parte de
grupos étnicos russos e fala russo.
A Crimeia é ucraniana de verdade?
A Rússia tem
sido o poder dominante na Crimeia na maioria dos últimos 200 anos, desde que
anexou à região em 1783. No entanto, a Crimeia passou das mãos de Moscou para
as da Ucrânia - então parte da União Soviética - em 1954. Grupos étnicos russos
que vivem na região consideram isso um erro histórico.
Mesmo assim,
uma outra minoria importante, os tártaros muçulmanos da Crimeia dizem que eles
já foram maioria na Ucrânia, e foram deportados em massa pelo líder da União
Soviética Joseph Stalin em 1944 sob a acusação de colaborarem com a invasão
nazista durante a Segunda Guerra Mundial.
Os membros de
grupos étnicos ucranianos compõem 24% da população da Crimeia, segundo o censo
de 2001, em comparação com 58% de russos e 12% de tártaros. Os tártaros vêm
retornando à região desde o colapso da União Soviética em 1991, o que causa uma
tensão contínua com os russos sobre o direito destas terras.
Qual é sua situação legal?
Ainda é
legalmente parte da Ucrânia - uma situação que a Rússia comprometeu-se a
garantir quando assinou, junto com os Estados Unidos, o Reino Unido e a França,
um memorando em 1994 dizendo que protegeria a integridade territorial da
Ucrânia.
Trata-se de
uma república autônoma dentro da Ucrânia, com eleições parlamentares próprias.
Mas o posto de presidente da Crimeia foi abolido em 1995, logo depois que um
separatista pró-Rússia conquistou o posto com larga maioria. Agora, a Crimeia
tem um representante presidencial e um primeiro-ministro, mas ambos são
indicados pelo governo na capital Kiev.
O que a Rússia pode fazer?
A Rússia
mantém uma grande base naval da cidade de Sevastopol, na Crimeia, onde está
baseada sua frota do Mar Negro. Por isso, alguns ucranianos temem que os
militares russos possam entrar em ação.
O acordo de
arrendamento da área da base pela Rússia estipula que as tropas russas não
podem sair desta área com equipamentos ou veículos militares sem a permissão da
Ucrânia. Olexandr Turchynov, presidente ucraniano em exercício, alertou que
qualquer movimentação de tropas russas fora da área da base "será
considerada uma agressão militar".
Há relatos de
que emissários russos estão distribuindo passaportes na península. As leis de
defesa da Rússia permitem ações militares no exterior para "proteger os
cidadãos russos". Isso gerou o medo de que a Rússia esteja usando esses
acontecimentos como um pretexto para uma invasão.
Isso já aconteceu antes?
A Rússia usou
uma justificativa parecida em 2008 para enviar tropas à Ossétia do Sul, quando
houve uma escalada de tensão nesta região da Geórgia por causa de movimentos
separatistas.
Assim como
com a Geórgia, Moscou se ressente do que considera interferências da União
Europeia e da OTAN na Ucrânia. E, ao fim de tudo, a OTAN não saiu em defesa da
Geórgia.
Mas a Crimeia
é maior do que a Ossétia do Sul, a Ucrânia é maior do que a Geórgia, e a
população da Crimeia está mais dividida do que na Ossétia do Sul, onde a
maioria é pró-Rússia - o que torna uma intervenção russa na Ucrânia uma aposta
mais arriscada.
Já houve guerra na Crimeia?
Já houve
muitas disputas pela Crimeia ao longo da história. A mais famosa é a Guerra da
Crimeia, que ocorreu entre 1853 e 1856. A guerra foi resultado de ambições
imperialistas, quando o Reino Unido e a França, em razão de suspeitas sobre as
ambições russas na região dos Balcãs depois da queda do Império Otomano,
enviaram tropas à Crimeia. A Rússia foi derrotada.
Fontes:
Portal DW.
BBC Brasil
Opera Mundi.
Adaptado do site:
http://seliga-geografia.blogspot.com.br/
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